| A enfermeira entrou no quarto e ficou olhando a mão que se movia
 delicadamente. Era sem
 dúvida a mão de um pintor.
 A mão de um grande artista.
 Vincent não percebeu aquele olhar.
 Ela teve que fazer um pequeno barulho
 na maçaneta da porta. Ele parou e
 timidamente voltou-se para vê-la.
 Conhecia seus barulhos.
 Ela sorriu e ele aceitou aquele sorriso
 como uma promessa.
 Agora eram amigos.
 Ela disse com carinho:
 _ Está na hora do seu remédio.
 Ele fez um quê de aborrecimento. Mas
 aceitaria de coração para não
 aborrecê-la. Tomaria o remédio,
 mesmo sem acreditar nos seus efeitos.
 Ela sorriu de satisfação porque
 amava aquele homem e pensar
 na sua cura era seu sonho dourado.
 Ela olhou o novo quadro que ele
 pintava e perguntou:
 _ Pra quem são?
 Ele disse:
 _ O quê?!...
 Ela insistiu:
 _ Para quem são os girassóis?
 Ele  disse "Ah!..." e ficou perdido
 no quadrado daquele quarto
 de sanatório.
 A enfermeira ficou com ciúmes de uma
 possível mulher. "Que mulher seria?!..."
 Apenas seu irmão o visitava.
 Ela perguntaria novamente, mas foi
 impedida com o sorriso que
 Vincent deixou escapar.
 Era uma mulher. Havia brilho
 naqueles olhos azuis.
 Ele falou baixinho:
 _ Ela bordará com imenso carinho
 estas flores. Não hoje! ...
 Num tempo que chegará.
 A enfermeira baixou os olhos para
 não encará-lo. Daria a vida por ele.
 Daria a vida para possuir
 aqueles girassóis, mas o que tinha
 além de seu trabalho? Apenas o
 consolo de sua presença. Da presença
 de um artista apaixonado. Não
 desistiria daquele amor porque
 amá-lo era seu curso de rio.  Viveria
 para ele, mesmo que ele nem
 desconfiasse disso. Estavam distantes
 num tempo de amar, mas ela
 o amaria assim mesmo.
 Ele nunca saberia daquele amor, no
 entanto seria dela porque o amor
 os fazia possuídos.
 Ela saiu para não chorar na
 presença dele.
 Vincent voltou-se para o quarto e,
 parado diante de sua obra, deixou
 escapar dos lábios um nome.
 Um nome de mulher.
 *  *  *
 Texto de Luzia Almeida
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